Gênero menor?
Segundo Marie-Claire Grassi, "no plano literário, o gênero epistolar foi por muito tempo considerado como menor, em relação à poesia, gênero nobre por excelência, depois em relação ao romance" ("Sur le plan littéraire, il a longtemps été considéré comme mineur, par rapport à la poésie, genre noble par excellence, puis par rapport au roman." GRASSI, Marie-Claire. Lire l'épistolaire. Paris: Dunod, 1998, p.3). Poderia, aqui, a título de provocação, dizer com Afonso Romano de Sant’Anna que "não há gênero menor, há pessoas menores diante de certos gêneros" (VIEIRA, Camila. "O navegante da cultura. Entrevista de Affonso Romano de Sant’Anna". O Povo. Fortaleza, 28 de agosto de 2004. Disponível em: http://www.noolhar.com/opovo/especiais/bienalfortaleza/396025.html), e encerrar minha argumentação. Acredito, porém, que procurar as razões para esse preconceito seja mais proveitoso. Menor por quê? Menor em que sentido?
Certamente não seria menor em termos de quantidade de páginas escritas. Há casos de escritores cuja produção epistolar supera – e muito – a produção em outros gêneros. Poderíamos pensar aqui em Voltaire (cuja correspondência preenche doze volumes da "Bibliothèque de la Pléiade", impressos em papel-bíblia, com mais de mil páginas cada um), em Flaubert, em Mário de Andrade. Ou mesmo em escritores que se consagraram tão-somente no gênero epistolar, cujo exemplo de Mme. de Sévigné é paradigmático.
Seria menor pela qualidade da escritura? Estou certo de que os mesmos exemplos carreados acima podem provar que não. Menor em que sentido, então?
Acredito que o gênero epistolar foi por muito tempo considerado menor porque supostamente não se traduziria, como diz Monteiro Lobato na "Escusatória" de sua Barca de Gleyre, numa "atitude", mas integraria apenas o âmbito íntimo, privado, de um escritor. Essa visão adviria talvez de um olhar romântico destinado ao gênero, que veria a carta como um "grito" ou "espelho da alma", expressão a mais fiel da intimidade e da identidade do remetente. Assim, muito do caráter retórico-argumentativo de uma carta se perdia sob a capa confessional que a crítica romântica lhes atribuía.
Não que a carta não esteja permeada de elementos da intimidade ou da identidade de seu signatário. Porém, devemos pensar que, se a carta é um retrato daquele que escreve, é também um retrato "possível de retocar antes de expô-lo na cena pública, como se começa a fazer com as fotografias". Aliás, a aproximação metafórica entre carta e fotografia pode ser muito mais produtiva do que se possa imaginar. Barbey d’Aurevilly chegou a conceber uma "metáfora fotográfica", afirmando que "as cartas são finalmente apenas ‘espécies de fotografias nas quais se é tão feio e tão defeituoso quanto na outra...’" ("En vertu du vieil adage qui fait d’elle un ‘miroir de l’âme’, la lettre est censée dessiner le portrait de celui qui l’écrit, mais un portrait qu’il est possible de retoucher avant de l’exposer sur la scène publique, comme on commence à le faire avec les photographies. Barbey d’Aurevilly – qui voue aux gémonies le genre épistolaire après l’avoir adoré – ne manque pas d’exploiter la métaphore photographique, affirmant que les lettres ne sont finalement que ‘des espèces de photographies dans lesquelles on est aussi laid et aussi manqué que dans l’autre...’ [Barbey d’Aurevilly, Les critiques et les juges jugés, Frinzine, 1885, p.71]". DIAZ, Brigitte. L’Épistolaire ou la Pensée Nomade. Paris: PUF, 2002, p.112)
Seriam essas as razões da "menoridade" do gênero epistolar? Sua efemeridade? Sua instantaneidade?
Certamente não seria menor em termos de quantidade de páginas escritas. Há casos de escritores cuja produção epistolar supera – e muito – a produção em outros gêneros. Poderíamos pensar aqui em Voltaire (cuja correspondência preenche doze volumes da "Bibliothèque de la Pléiade", impressos em papel-bíblia, com mais de mil páginas cada um), em Flaubert, em Mário de Andrade. Ou mesmo em escritores que se consagraram tão-somente no gênero epistolar, cujo exemplo de Mme. de Sévigné é paradigmático.
Seria menor pela qualidade da escritura? Estou certo de que os mesmos exemplos carreados acima podem provar que não. Menor em que sentido, então?
Acredito que o gênero epistolar foi por muito tempo considerado menor porque supostamente não se traduziria, como diz Monteiro Lobato na "Escusatória" de sua Barca de Gleyre, numa "atitude", mas integraria apenas o âmbito íntimo, privado, de um escritor. Essa visão adviria talvez de um olhar romântico destinado ao gênero, que veria a carta como um "grito" ou "espelho da alma", expressão a mais fiel da intimidade e da identidade do remetente. Assim, muito do caráter retórico-argumentativo de uma carta se perdia sob a capa confessional que a crítica romântica lhes atribuía.
Não que a carta não esteja permeada de elementos da intimidade ou da identidade de seu signatário. Porém, devemos pensar que, se a carta é um retrato daquele que escreve, é também um retrato "possível de retocar antes de expô-lo na cena pública, como se começa a fazer com as fotografias". Aliás, a aproximação metafórica entre carta e fotografia pode ser muito mais produtiva do que se possa imaginar. Barbey d’Aurevilly chegou a conceber uma "metáfora fotográfica", afirmando que "as cartas são finalmente apenas ‘espécies de fotografias nas quais se é tão feio e tão defeituoso quanto na outra...’" ("En vertu du vieil adage qui fait d’elle un ‘miroir de l’âme’, la lettre est censée dessiner le portrait de celui qui l’écrit, mais un portrait qu’il est possible de retoucher avant de l’exposer sur la scène publique, comme on commence à le faire avec les photographies. Barbey d’Aurevilly – qui voue aux gémonies le genre épistolaire après l’avoir adoré – ne manque pas d’exploiter la métaphore photographique, affirmant que les lettres ne sont finalement que ‘des espèces de photographies dans lesquelles on est aussi laid et aussi manqué que dans l’autre...’ [Barbey d’Aurevilly, Les critiques et les juges jugés, Frinzine, 1885, p.71]". DIAZ, Brigitte. L’Épistolaire ou la Pensée Nomade. Paris: PUF, 2002, p.112)
Seriam essas as razões da "menoridade" do gênero epistolar? Sua efemeridade? Sua instantaneidade?
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