Tuesday, February 28, 2006

Uma carta de Aluísio Azevedo a D. Júlia Lopes de Almeida

A DONA JÚLIA LOPES DE ALMEIDA

Buenos Aires, 7 setembro 1912.
Minha ilustre confrade, Srª. D. Júlia Lopes de Almeida.
Trago-me os meus modestos aplausos pelo seu adorável romance – A Intrusa – que acabo de ler de uma assentada e do qual fui gostando cada vez mais à proporção que o devorava, chegando à última página com um acúmulo de entusiasmo perfeitamente comparável ao famoso resultado da multiplicação do grão de arroz pelos quadrados sucessivos do jogo do xadrez, como reza a velha anedota chinesa. O livro é, com efeito, de acumulativo interesse, é empolgante e forte, simples, original e verdadeiro, e nele a ironia e a sátira nunca vêm cruas ou sanguinosas, mas sempre refogadas com adorável tolerância e jovialmente polvilhadas de riso fresco e sadio. Gostei tanto dessa obra, que me não pude forrar ao desejo de a aproveitar como elemento de aproximação entre este país e os nosso, cujos escritores ainda tão pouco se conhecem de parte a parte, e de tratar de que ela fosse traduzida para o castelhano e publicada aqui pelo excelente jornal La Nación, onde tal idéia despertou logo a mais viva simpatia. Por intermédio do nosso distinto patrício Alfredo Bastos (Jacques Petiot) pode-se conseguir seja feita a tradução pelo Piquet, que já com o Brás Cubas mostrou quanto é exímio em verter para bom espanhol bom português, e decerto não porá neste novo trabalho menos gosto e desvelo que consagrou àquele. Assim, pois, está tudo já combinado, só faltando o principal – a autorização da Autora; autorização que, curvado ao meio e de chapéu na mão, lhe venho pedir aqui com todo o empenho e reverência, convencido de que não poderia eu do melhor modo servir aos interesses morais de nossa terra, e ao mesmo tempo render à Carlota Broute brasileira um pouco da muita homenagem a que ela tem direito. Se a autorização vier acompanhada de um retrato da Autora, sem dedicatória, o favor será duplo. Rogo-lhe a fineza de estender meus cumprimentos até ao meu velho e saudoso amigo Filinto de Almeida, e dirigir a resposta desta à – "Legación del Brasil Calle Juncal – Buenos Aires".
Antecipando meus agradecimentos, é com muita amizade e apreço que me subscrevo – Criado afº. e grato – Aluísio Azevedo.
Esta carta não chegou a ser enviada à destinatária. Devemo-la à gentileza ao Sr. Pastor Lúquez, filho adotivo de Aluísio, o qual no-la enviou juntamente com outros preciosos papéis de Aluísio.
AZEVEDO, Aluísio. O touro negro. Introdução de Adonias Filho. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1961, p.188-90.

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