Tuesday, March 14, 2006

Mulheres e cartas

Sobretudo os séculos XVII e XVIII são profusos em representações de mulheres e cartas. Mulheres escrevendo cartas, selando cartas, recebendo cartas, lendo cartas...













Mulheres escrevendo cartas: em Uma senhora escrevendo uma carta (1665-66, óleo sobre tela, 45 x 40 cm, National Gallery of Art, Washington. Disponível em: http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/v/vermeer/03a/15lwrit.html), de Jan Vermeer (1632-1675), vemos que a senhora do título, flagrada em sua intimidade, dirige um olhar ao espectador, misto de surpresa e censura.













Mulheres selando cartas: em Senhora selando uma carta (1733, óleo sobre tela, Staatliche Museen Preussischer Kulturbesitz, Berlin. Disponível em: http://cgfa.sunsite.dk/chardin/p-chardin8.htm), de Jean-Baptiste-Siméon Chardin (1699-1779), uma dama, auxiliada por um criado e possível mensageiro, sela a carta recém-escrita. Uma carta de amor? Possivelmente, como indica o cão a seus pés, signo de fidelidade.















Mulheres recebendo cartas: no quadro ao lado, de Gerard Terborch (1617-1681), intitulado A carta (c. 1655, Oil on panel, 56 x 46,5 cm, Alte Pinakothek, Munich. Disponível em: http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/t/terborch/1/letter.html), vemos uma senhora entre um mensageiro, que lhe estende uma carta, e uma criada, possível confidente de seus amores. O cão no canto inferior direito da pintura é índice de fidelidade. A dama hesita; aceitar a carta é submeter-se ao que ela lhe reserva: o desinteresse do amante? a ruptura da relação? A carta fechada, selada, ainda nas mãos do mensageiro, é um universo instável e incômodo de possibilidades...














Mulheres lendo cartas: também de Gerard Terborch (1617-1681) é a tela Uma senhora lendo uma carta (c. 1662, óleo sobre tela, 45 x 33 cm, Wallace Collection, London. Disponível em: http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/t/terborch/3/ladyread.html). A dama, interrompendo os afazeres cotidianos - trabalhos de costura ou de bordados, talvez, abandonados momentaneamente no cesto aos seus pés -, lê de imediato a carta recebida. Ainda com as dobras do papel bastante aparentes, talvez seja a primeira leitura. O rubor das faces pode indicar elementos presentes na carta que a fazem corar: palavras do amante? notícias que causam dor ou paixão? A intimidade da leitura é garantida pelo biombo ao fundo, atrás do qual a dama se ocultou para a leitura do texto. Se a vida em sociedade se desenrola no palco, diante das cortinas abertas ou semi-cerradas, a leitura da carta pede outro cenário: a intimidade e a distância de olhos curiosos...



Intimidade que não foi garantida na cena pintada por Gabriel Metsu (1629-1667), em A missivista surpreendida (c. 1662, óleo sobre madeira, 45 x 39 cm, Wallace Collection, London. Disponível em: http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/m/metsu/surprise.html). A escrita da carta é surpreendida por um homem, que lança olhares indiscretos e curiosos por sobre os ombros da missivista, tentando capturar aquilo que é lançado no papel.

Em comum, em todos esses quadros, encontramos mulheres e cartas, em espaços íntimos, procurando manter o sigilo e a discrição de suas palavras. Mas por que a maioria dos quadros que elegem o tema retratam mulheres? Será por que, no mundo letrado, às mulheres se reservava apenas a arte de escrever cartas, "gênero menor"?

Para uma análise sobre o gênero epistolar como uma prática feminina, Cf. DUCHÊNE, Roger. "La lettre : genre masculin et pratique féminine". Un essai sur la rhétorique épistolaire. Disponível em: http://perso.wanadoo.fr/roger.duchene/travaux/LGMF/lgmf.htm

Saturday, March 11, 2006

Uma página de Henry James

Uma das obras-primas da arte de escrever contos, O desenho no tapete, de Henry James, traz, no capítulo VI, uma página magistral também sobre a arte de escrever cartas. Quando escrever uma carta? Uma carta ou um telegrama? Se o assunto não cabe em carta, por que escrevê-la, então?
Enjoy it!


The Figure in the Carpet, de Henry James

CHAPTER VI.

[...]

Early in March I had a telegram from her, in consequence of which I
repaired immediately to Chelsea, where the first thing she said to
me was: "He has got it, he has got it!"
She was moved, as I could see, to such depths that she must mean
the great thing. "Vereker's idea?"
"His general intention. George has cabled from Bombay."
She had the missive open there; it was emphatic though concise.
"Eureka. Immense." That was all--he had saved the cost of the
signature. I shared her emotion, but I was disappointed. "He
doesn't say what it is."
"How could he--in a telegram? He'll write it."
"But how does he know?"
"Know it's the real thing? Oh I'm sure that when you see it you do
know. Vera incessu patuit dea!"
"It's you, Miss Erme, who are a 'dear' for bringing me such news!"-
-I went all lengths in my high spirits. "But fancy finding our
goddess in the temple of Vishnu! How strange of George to have
been able to go into the thing again in the midst of such different
and such powerful solicitations!"
"He hasn't gone into it, I know; it's the thing itself, let
severely alone for six months, that has simply sprung out at him
like a tigress out of the jungle. He didn't take a book with him--
on purpose; indeed he wouldn't have needed to--he knows every page,
as I do, by heart. They all worked in him together, and some day
somewhere, when he wasn't thinking, they fell, in all their superb
intricacy, into the one right combination. The figure in the
carpet came out. That's the way he knew it would come and the real
reason--you didn't in the least understand, but I suppose I may
tell you now--why he went and why I consented to his going. We
knew the change would do it--that the difference of thought, of
scene, would give the needed touch, the magic shake. We had
perfectly, we had admirably calculated. The elements were all in
his mind, and in the secousse of a new and intense experience they
just struck light." She positively struck light herself--she was
literally, facially luminous. I stammered something about
unconscious cerebration, and she continued: "He'll come right
home--this will bring him."
"To see Vereker, you mean?"
"To see Vereker--and to see ME. Think what he'll have to tell me!"
I hesitated. "About India?"
"About fiddlesticks! About Vereker--about the figure in the
carpet."
"But, as you say, we shall surely have that in a letter."
She thought like one inspired, and I remembered how Corvick had
told me long before that her face was interesting. "Perhaps it
can't be got into a letter if it's 'immense.'"
"Perhaps not if it's immense bosh. If he has hold of something
that can't be got into a letter he hasn't hold of THE thing.
Vereker's own statement to me was exactly that the 'figure' WOULD
fit into a letter."
"Well, I cabled to George an hour ago--two words," said Gwendolen.
"Is it indiscreet of me to ask what they were?"
She hung fire, but at last brought them out. "'Angel, write.'"
"Good!" I exclaimed. "I'll make it sure--I'll send him the same."

Para o conto completo, em inglês: http://www.gutenberg.org/etext/645
Para uma tradução em espanhol: http://www.ciudadseva.com/textos/cuentos/ing/james/figura.htm
Em português, esse conto foi incluído na seguinte coletânea da Companhia das Letras:
JAMES, Henry. A morte do leão - Histórias de artistas e escritores. Tradução Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
http://www.companhiadasletras.com.br/web_store.cgi?details=10372&buy=yes&cart_id=5426658.17348&pg_pesq=&slink=1

Thursday, March 09, 2006

Les liaisons dangereuses (1782)



Talvez um dos maiores romances epistolares de todos os tempos (na minha opinião o é), Les liasons dangereuses (As ligações perigosas, 1782), de Pierre-Ambroise-François Choderlos de Laclos (1741-1803), apresenta uma narrativa forte, bem construída no vai-e-vem das cartas publicadas, segundo a persona do editor do livro, para a correção dos costumes, conforme o anuncia a epígrafe do volume, extraída de outra obra-prima epistolar dos Setecentos - Julie ou la Nouvelle Héloïse (1761), de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778): "J'ai vu les moeurs de mon temps, et j'ai publié ces Lettres" (vi os costumes de meu tempo e publiquei essas cartas). O romance mereceu ao menos três traduções brasileiras: a de Sérgio Milliet, a de Osório Borba e a de Carlos Drummond de Andrade.
Em 1988, o romance recebeu uma das suas mais perfeitas adaptações cinematográficas, Dangerous liaisons, dirigido por Stephen Frears e com um elenco de peso: Glenn Close (Marquesa de Merteuil), John Malkovich (Visconde de Valmont), Michelle Pfeiffer (Madame de Tourvel), nos papéis principais. É um filme que vale a pena sempre rever. Assim como Les liaisons dangereuses, um romance que vale a pena sempre reler.
Para o romance em francês: http://abu.cnam.fr/BIB/auteurs/laclosp.html
Para informações sobre o filme: http://www.imdb.com/title/tt0094947/