Thursday, July 27, 2006

Factores da Civilisação Contemporanea

Em seu livro Correspondência, Notas e Colloquios de Erasmo, o cronista Eduardo Ramos (1854-1923) reuniu os textos que publicara ao longo dos anos de 1911 e 1912 no jornal O Paiz, sob o pseudônimo de Erasmo. Nesse livro encontramos a seguinte página, muito bem humorada, sobre os Correios do início do século, assim como sobre as práticas bem pouco ortodoxas dos estafetas e das eleições da época do "café com leite". A ortografia e a pontuação da época foram mantidas.
FACTORES DA CIVILISAÇÃO
CONTEMPORANEA

(O Paiz – Fevereiro–19–1911).

Hontem pela manhã o estafeta do meu districto entregou-me uma carta registrada. Era de um velho amigo ausente. Abri-a com anciedade. Eis o seu contexto:

“Fazenda do Desengano, 12 de fevereiro de 1911.
Meu amado philosopho.
A culpa não é minha... Tua carta de 1º do corrente consumiu tres dias a percorrer, em caminho de ferro, os 72 kilometros que nos separam. Na sobrecapa, um aviso em tinta escarlate, de tua letra, declarava a remessa simultanea de um masso de jornaes. Só os recebi ante-hontem, isto é, nove dias depois da expedição.
Ora, 72 kilometros, em tres dias (equivalentes a 72 horas) dão para o percurso da carta a velocidade de um kilometro por hora. Ao passo que a tra- /p.34/ jectoria do pacote de gazetas desceu a tres horas por cada kilometro, o que corresponde ao vôo muar de cinco metros e meio por minuto...
Em boa justiça, estes algarismos são razoaveis; porque, se uma carta, pesando 12 grammas, precisou de tres dias para chegar ao seu destino, é evidente que um fardo de jornaes, de tres kilos de peso, isto é, 283 vezes mais pesado que essa carta, exigiria o minimo de 749 dias para attingir ao limite de sua peregrinação ferroviaria. Tendo-se, porém, consummado o transporte em nove dias escassos, vês tu que a estrada de ferro não tresgastou. Muito pelo contrario, bateu mais uma vez, o record da velocidade e exactidão, que distingue, no Brazil, os admiraveis serviços da viação, correios e telegraphos... admittido, qual está, como lei do movimento no nosso maravilhoso tropico, que “a rapidez dos corpos augmenta, na razão inversa das massas, e na razão directa do quadrado das distancias”. Principio, que o povo, em sua ignorância da mecânica dos homens e dos astros, traduz pela grosseira formula “quanto peior melhor”.
Tua missiva se reportava aos jornaes enviados com ella, na mesma data. Sem a leitura destes, ella não poderia ser entendida. Eram dois elementos de um todo indivisivel, da mesma sorte que uma pipa de aguardente se compõe do vasilhame da tanoaria, e do producto da distillação. Chegando-me a carta com grande antecipação aos jornaes, foi como se me remettesses o casco, com precedencia ao licor.
Tenho-os agora juntos, graças a Deus!
A carta veiu intacta. Felizmente não estamos /p.35/ em quadra de eleições; e o agente postal d’aqui, de quem me fiz correligionario politico por amor da immunidade da minha correspondencia, garantiu-me que a reservaria num pequeno sacco, destinado ao limitado numero de cartas inviolaveis.
Este sacco é formado de um pé de meia rota da esposa do agente. Não me foi possivel conseguir que o seu generoso compromisso se estendesse aos jornaes do meu endereço. Além de que, as dimensões da perna daquella senhora (a perna que occupava outr’ora a meia em questão), não podendo ter, razoavelmente, a latitude indispensavel para accommodar o volumoso producto das bobinas das machinas de imprimir, esse marido, o agente a quem me referi, cobre a sua irresponsabilidade, por meio de um raciocinio devéras engenhoso:
“Os jornaes – argumenta elle – são inquestionavelmente orgãos de publicidade. Ora, publicidade e sigillo são idéas que se contradizem. Mas, como não podem coexistir, em uma mesma proposição, dois termos oppostos que se destroem, claro é que o elemento, certo e verificado, supplantará o outro elemento antagonico, erguendo-se sobre a ruina deste, a verdade que se tem em vista demonstrar. Assim, se a publicidade e a propagação constituem os dados inconcussos na industria jornalistica, não ha como querer impôr aos agentes postaes o sigillo, ou qualquer outra restricção áquelles intuitos. Os serventuarios do Correio estão, portanto, no seu mais absoluto direito arrancando as cintas de castidade, que os expeditores grudam em torno dos seus periodicos, podendo, em consequencia, exercer toda sorte de vio- /p.36/ lações, lendo-os e dando-os a ler a quem lhes aprouver!...
“Demais – accrescentou o irrespondivel raciocinador – esse direito nos é mesmo virtualmente imposto pela investigação pornographica, em boa hora instituida pela administração immoredoura do Sr. Ignacio Tosta. No exercicio dessa nobre funcção, as caixas postaes se transformaram em apparelhos sanitarios de moral administrativa. É ahi que a imprensa se ha de desonerar de suas impurezas. E o agente postal é que ajuda a operar. Cumpre-lhe, pois, ver tudo, examinar tudo, abrir tudo”.
Que tal, hein, mestre Erasmo?!... Que comprehensão nitida do espirito de uma administração!... Que poder de logica! Dir-se-ia que é o proprio Aristoteles commissionado para vender sellos na roça!...
O que elle, porém, occultou, é que tem uma afilhada, mocinha de 18 annos, apaixonada pela leitura de romances. Não lh’os podendo fornecer o padrinho, por insufficiencia de verba, ella se desforra em cortal-os dos jornaes e revistas que lhe caem nas mãos. Vai mesmo além; esta mocinha pilha todos os escriptos assignados por senhoras. Nos deliciosos trabalhos de Julia Lopes, de Maria Amalia Vaz de Carvalho, da saudosa Carmen Dolores, tem-me sido absolutamente impossivel por-lhes meus olhos. Corta e apossa-se de tudo, com uma pontualidade impertubavel. O furor do saque se estende até aos artigos do Dr. Edwiges de Queiroz, a quem, pela ambiguidade do primeiro nome, ella suppõe ser uma escriptora suffragista. Quando é interrogada esta /p.37/ original afilhada do José Cornelio (é este o nome do agente), ella responde que professa a doutrina do colectivismo feminista, limitado á propriedade literaria, emquanto seu padrinho lhe não permitte estender a outros territorios a actividade de suas tendencias.
Essa interessante menina chama-se Brigida. Mas o padrinho e ella concertaram em fazer uma pequena modificação phonetica: pronunciam Brizida. E assim ficou. A razão adduzida pelo Cornelio (foi este quem teve a lembrança), é que a syllaba zi, precedida de um i, como em Brizida, possue duas particularidades que a predispõem a ficar bellissimamente em nomes femininos: – a primeira é que o izi, repetido, ou prolongado em sibilação, imita perfeitamente o zumbido deleitoso do silencio campestre, o sussurro dos mil insectos invisiveis que nos dizem o inarticulavel, fresco e humido segredo das mattas. A segunda consideração, é que, para pronunciar o izi, a boca se ha de fechar, e depois arregaçarem-se graciosamente os labios como num sorriso, deixando ver em todo o seu esplendor as perolas dos dentes. O inconveniente unico dessa combinação está na impropriedade melodica daquellas syllabas euphonicas, á medida que se forem perdendo os incisivos, sem o soccorro da prothese dentaria de que não desfrutaram ainda os apparelhos mastigatorios dos homens e mulheres do interior. Os sons dependem do instrumento; mas o da menina Brizida ainda é muito viçoso para se calcular desde já as futuras desafinações.
A estas reflexões o José Cornelio ajunta uma /p.38/ outra que não deixa de ser ponderosa, e se funda na influencia que tem o exotismo dos appellidos para pôr em destaque os individuos que os trazem. Assim, um cidadão que passaria obscuro usando o nome de Curvello (quando não se tem a fortuna de ser um Curvello de Mendonça), ganha invejavel notoriedade adoptando a variante de Cruvello. Uma dama que andaria despercebida assignando-se simplesmente Margarida, attrairia logo a attenção universal mandando imprimir em seus cartões Mhargharhidhah (com cinco h). Esta circumstancia tornal-a-ia essencialmente aspirada...
Entretanto, a menina Brizida é conhecida em toda a redondeza pela antonomasia familiar de Fraldinha. Fraldinha é uma corrupção de Fraudinha, primitiva alcunha que lhe deu o juiz de direito desta comarca. A afilhada do agente é dotada de excellente caligraphia. Nas épocas proprias encarregam-na de escrever as actas eleitoraes de todo o districto... Copia-as debaixo das vistas daquelle magistrado, a cuja pericia no formalismo forense é entregue a elaboração das authenticas. E tão geitosamente a mocinha se tem desempenhado dessa collaboração, que o venerando juiz gratificou-a com o carinhoso appellido de Fraudinha, que o povo, pouco avesado a compor diminutivos classicos, converteu no barbarismo de Fraldinha, pelo qual ficou sendo conhecida.
Entre as suas aptidões, ella tem a de collecionar homens celebres. Serve-se para isso de um album em branco, adornado de cantos de latão, que lhe offereceu, como penhor de grata lembrança, o candidato victorioso nas ultimas eleições federaes.
/p.39/
Esse album é uma das curiosidades deste logar.
É sobre elle que prestam compromisso os vereadores, ou intendentes da Camara Municipal. Certo domingo foi utilizado em substituição ao missal, que havia desapparecido, sem inconveniente algum, é certo, porque o vigario sabe toda a misa de cór. O sacerdote não podia deixar de abrir, de quando em quando, segundo o ritual, o album de Fraldinha. Ao virar uma das folhas, deparou-se-lhe, occupando toda a pagina, o retrato do Sr. Rodolpho Miranda, com o seu ar de satisfação escanhoada, sobre cuja cabeça a trêfega menina havia desenhado um vistoso cocar de pennas de arara, e o padre aproveitou para recitar, com a maior seriedade deste mundo, a epistola aos gentios..., emquanto a Fraldinha pelo seu lado atacou com bravura a ladainha. Eu estava presente. Foi um successo!...
E ahi está. Com estes incidentes sobre a acção civilizadora dos agentes do correio e suas afilhadas, cheguei a estas alturas de uma extensa carta, sem dizer nada do que me importava. Fica para a mala seguinte.
Manda-me cigarros.
Teu
JUCA.
RAMOS, Eduardo. Correspondência, Notas e Colloquios de Erasmo (Eduardo Ramos) – Collaboração n’O Paiz (Capital da União) de 1911 a 1912. Rio de Janeiro: Besnard Frères, 1914, p.33-9.
Para mais informações sobre Eduardo Ramos, consulte a página da Academia Brasileira de Letras: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=154

Sunday, July 23, 2006

La correspondance dans toutes les circonstances de la vie


Em seu livro La correspondance dans toutes les circonstances de la vie (Paris: L. Chailley, sixième édition, 1895) - coletânea de cartas modelares que teriam sido recolhidas pela autora -, a Baronesa Staffe (1845-1911) lamentava ver as comunicações telefônicas e telegráficas substituírem inteiramente as correspondências escritas (“Il serait très malheureux de voir les communications téléphoniques et les dépêches télégraphiques se substituer entièrement aux correspondances écrites”) e dava alguns conselhos sobre a escrita epistolar. São alguns trechos desse texto que transcrevo abaixo:

« Chaque personne a son écriture propre, ce qui sert beaucoup à l’individualiser dans la mémoire souvent très peuplée des gens qui vivent loin d’elle.
Une correspondance suivie entre les membres d’une famille éloignés les uns des autres, entre des amis séparés, maintiendra et développera même beaucoup parfois, les sentiments affectueux que l’absence détruit... diminue ou estompe tout au moins. Si le silence s’établit pendant un temps assez long entre gens qui s’aimaient, l’affectiont se dissout, la sympathie disparaît.
L’échange de lettres permet de ne pas se perdre de vue, de se tenir au courant des habitudes, des faits et gestes les uns des autres (ce qui est inap- /p.3/ préciable pour l’amitié), de continuer à parler la même langue,… souvent d’avouer plus fortement que par la parole ses sentiments et ses sympathies, ce qui a pour résultat de se faire mieux aimer en se faisant mieux pénétrer.
Les lettres d’un père ou d’une mère à ses enfants peuvent les gardes contre de grands dangers, les faire persévérer à marcher dans le chemin droit, dans la voie de l’honneur. Ces chères lettres viennent leur rappeler, évoquer devant leur regard le foyer paternal, où on leur a appris à vénérer les austères vertus.
Les lettres entre frères et soeurs empêchent le lien familial de se detendré, de se briser, quand le père et la mère, qui groupaient leurs enfants entre leurs bras, ont disparu et que le toit des ancêtres abrite des étrangers. »

« On se rassurera en voyant, si on veut bien feuilleter notre volume, que pour écrire de façon à satisfaire celui auquel on s’adresse, il /p.7/ ne faut que du tact, du coeur ou de la réflexion. »

«On verra, dans les lettres qui vont suivre, que pour écrire aux gens de sa parente ou de son intimité, on peut, jusqu’à un certain point, mettre à sa plume la bride sur le cou. Cet abandon (je ne dis pas laisser-aller) n’élimine pas les sentiments de déférence et de respect. Mais on peut y exprimer son affection et son dévouement sans y mettre la réserve commandée à l’égard de ceux qui ne nous sont pas attachés par les liens du sang ou d’une amitié longue et éprouvée. On peut entrer dans mille details qui communiquent à la lettre la grâce de la vie, on est sûr d’intéresser, d’émouvoir, d’attendrir, de provoquer la gaieté, etc.
En écrivant à des étrangers et même à de simples connaissances, une certaine retenue est /p.8/ nécessaire, une certaine sobriété dans la phrase et dans les détails, sans sécheresse pourtant, sans prétention surtout.
Un ton aimable, bienveillant, poli est obligatoire en toutes occurrences. Un ton gracieux, enjoué n’est nullement déplacé à l’égard de ce qu’on appelle les connaissances.
Pour les lettres d’affaires, il est bon d’aller droit au but, d’entrer en matière immédiatement et sans phrases superflues.
Les lettres de condoléance sont les plus difficiles à écrire, surtout si l’on ne se rend pas compte du genre de la douleur que doit éprouver la personne à laquelle on écrit. Car le même malheur ne nous fait pas souffrir tous de la même façon. Le caractère influe sur la forme du chagrin. Si on ignore la nature, les sentiments de ceux que la destinée vient de frapper, la manière dont ils ont accueilli l’affliction, il faut se borner à quelques mots de sympathie, de crainte de froisser leur chagrin par de longues phrases maladroites.
Le don de consoler appartient aux intuitifs /p.9/ doués d’une grande bonté et d’une extrême délicatesse. La banalité des consolations ajoute à la souffrance des êtres sensibles et exquis.
Mais un seul mot, venu des entrailles, peut souvent calmer, adoucir une grande peine.
Quant aux lettres de félicitations, elles doivent être exemptes de toute note personnelle. C’est-à-dire que, si l’on souffre, on fera taire sa souffrance, on n’en parlera pas du moins, on ne fera pas sur soi-même de retour mélancolique, afin de ne pas jeter une note discordante dans le concert des voeux et des congratulations, des applaudissements qu’on fait entendre aux gens heureux.
Il faut être joyeux avec ceux qui sont dans la joie, au moins ne pas jeter volontairement d’ombre sur leur bonheur, en leur laissant apercevoir sa propre tristesse.
Et il faut pleurer avec ceux qui répandent des larmes. La sympathie humaine doit se partager entre les heureux et les malheureux. Parce que vous venez de consoler un ami plongé dans le deuil, refuserez-vous un sourire au jeune couple /p.10/ qui passe dans son bonheur? Non, car votre froideur, votre mélancolie ou votre indifférence serait comme un reproche à ce bonheur radieux.
Et, également, on s’efforcera de ne pas étaler sa joie sous les yeux noyés de pleurs. Il n’y a pas là, croyez-le, de dissimulation répréhensible. C’est une réserve commandée par une délicatesse de coeur et de tact.
Enfin, pour écrire comme pour parler, on devrait toujours avoir en vue la satisfaction des autres. L’amour de son semblable, l’altruisme véritable se révèle dans la plus insignifiante des lettres, car on peut toujours y témoigner du respect qu’on a pour autrui ou du mépris où l’on tient tout ce qui n’est pas soi.
Les meilleures qualités du style épistolaire, c’est le coeur qui nous les donne.
BARONNE STAFFE.
Villa Aimée, 8 septembre 1894.»
O texto completo da Baronne Staffe pode ser lido no site