Friday, August 25, 2006

Cartas a um Jovem...


A inspiração parece óbvia: por trás dessa coleção de Cartas a um jovem... estão as célebres Cartas a um Jovem Poeta (Briefe an einen jungen Dichter), de Rainer Maria Rilke (1875-1926), escritas entre 1903 e 1908 ao poeta Franz Xaver Kappus (1883-1966), publicadas em 1929, e, para o leitor brasileiro, as também célebres Cartas a um Jovem Escritor, escritas por Mário de Andrade (1893-1945) a Fernando Sabino (1923-2004) e publicadas pelo destinatário em 1982.
Ao que parece, porém, as semelhanças param por aí. Em ambos os casos, de Rilke e de Mário, temos cartas efetivamente escritas e enviadas aos seus destinatários reais, de carne e osso. Cartas realmente escritas, em papéis de verdade, envelopadas, seladas, levadas pelo carteiro até o destinatário, abertas, lidas e pensadas por este.
A coleção que a Editora Alegro traz a público apresenta uma realidade bem diferente. Como afirma em sua página na internet, "a série Cartas a um jovem... apresenta uma visão crítica e profunda de uma área de atuação, com base na rica vivência dos autores. Se você está no início de sua vida profissional, leia para imaginar um futuro; se está no meio do caminho, leia para descobrir percursos diferentes e realinhar suas expectativas; se está mais perto do final, leia para se surpreender com quanto ainda há para ser feito, para refletir sobre sua vida pessoal e, por que não, para inventar uma nova carreira." (http://www.campus.com.br/)
Nesse sentido, a série Cartas a um jovem... está muito mais próxima de um modelo iluminista de carta, a carta didática ou pedagógica, em que somente a forma epistolar (e não a relação epistolar) existe. São cartas que mantêm apenas a atmosfera de cartas, a aparência de cartas, mas não o seu espírito efetivo, eis que não representam uma relação efetivamente existente entre remetente e destinatário. São cartas que lembram a Philosophia Antigua Poetica (1596), de Alonso López Pinciano (1547-1627) , ou o Verdadeiro Método de Estudar (1746), de Luiz António Verney (1713-1792), tratados escritos em forma epistolar.
Não vai aqui nenhuma crítica à nova coleção de livros. O que me chama a atenção é a forma escolhida. Numa época em que se celebra o réquiem do gênero epistolar, que estaria completamente sepultado sob as diversas formas de comunicação atuais (telefones fixo e celular, fax, e-mail etc.), surge uma coleção de livros que adota exatamente o gênero dito em extinção - ou extinto, que seja. Saudosismo? Nostalgia de um gênero já ultrapassado, já em desuso? Ou a utilização de um gênero que habita o recôndito mais profundo do imaginário humano?
Nesse mesmo sentido é que um grupo de professores realizou, em 1999, uma coletânea de cartas endereçadas a professoras - e distribuído pelo governo federal - intitulado Histórias & Histórias. As cartas, mesmo quando escritas sem um destinatário específico, ou mesmo quando escritas a um outro destinatário que não nós que as lemos, parecem ter o dom de falar de perto, de falar como se falasse numa conversa. Daí, talvez, a sua sobrevivência, a despeito das exéquias que já lhe celebraram.


Para maiores informações sobre a coleção Cartas a um jovem..., consultar a página da editora:
http://www.campus.com.br

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Passei para comprovar que visitava seu blog, e achei este post.

Curioso, porque li parte do livro Cartas para um jovem escritor. De fato, os textos de Vargas Llosa poderiam não ser cartas: o formato epistolar é mais para dar uma "cara" ao livro e à coleção.

Acho que faltou, pelo menos até onde eu li, o autor considerar mais uma interlocução, que ficou artificial (já que não existe). E são cartas para um escritor bem jovem, mesmo, se é que você me entende. Mas ao final acho que cumpre seu papel, de localizar as principais questões da narrativa para um iniciante.

Abraço!

6:18 AM  
Blogger Emerson Tin said...

Olá Gregório,
Obrigado pela visita.
Gostei muito do seu comentário. Fiquei muito curioso para dar uma olhada em todos os livros da coleção. O que me chama mais a atenção é a escolha da "cara" dada ao livro e à coleção, como você bem apontou. Por que cartas? É sobre isso que tentei refletir na minha postagem.
Abraço!

8:48 AM  

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